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28 de junho de 2025

EBD JOVENS | Lição 1: Gálatas: a Carta da liberdade cristã | 3° Trim 2025

Pb Francisco Barbosa (@Pbassis)

TEXTO PRINCIPAL

Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé de Cristo [...].” (Gl 2.16).

 

ENTENDA O TEXTO PRINCIPAL:

O texto de Gálatas 2.16 é um dos pilares doutrinários do Novo Testamento e da teologia paulina, estabelecendo com clareza a exclusividade da justificação pela fé em Cristo, em contraste com as obras da Lei. Perceba cada uma destas palavras do texto original e seu significado:

·         δικαιοῦσθαι (dikaioûsthai): verbo passivo que significa “ser justificado” ou “ser declarado justo”. É uma declaração legal divina, não baseada em mérito próprio, mas em imputação da justiça de Cristo.

·         ἔργων νόμου (érgōn nómou): “obras da Lei” — um termo técnico que refere-se às ações prescritas na Lei mosaica, incluindo cerimoniais, morais e civis. Paulo argumenta que essas obras são incapazes de justificar.

·         πίστει Ἰησοῦ Χριστοῦ (pístei Iesoû Christoû): “pela fé em Jesus Cristo”. Note o uso da preposição “em” (ἐν), indicando a fé centrada na pessoa de Cristo, não apenas na crença em um conceito abstrato.

·         πίστεως Χριστοῦ (písteōs Christoû): traduzido como “fé de Cristo” ou “fé em Cristo”, há discussão entre exegetas se é “fé que Cristo tem” ou “fé que o crente deposita em Cristo”. Contextualmente, a ênfase é na fé humana que confia plenamente em Cristo como meio de justificação.

Preciosas lições são extraídas daqui:

- A Justificação é Divina, Não Humana: A palavra “justificar” não descreve uma mudança moral interna imediata, mas uma declaração legal divina que reconhece o crente como justo por causa da obra de Cristo, e não por seus próprios esforços (FEE, 1996). Fé em Cristo Como Ponto Central: Paulo sublinha que a fé deve ser “em Jesus Cristo”, apontando para uma confiança pessoal, relacional e inclusiva — não mera aceitação intelectual, mas um compromisso vital. Rejeição Absoluta das Obras da Lei: O versículo repete duas vezes que ninguém é justificado “pelas obras da Lei”, reforçando a impossibilidade do esforço humano como base para o relacionamento com Deus. Fé como Meio e Objeto: A “fé de Cristo” pode ser entendida como a fé que o crente tem para com Cristo, isto é, a fé é o meio pelo qual a justiça de Cristo é imputada ao crente (McKnight, 2014). Portanto, a fé não é meramente um instrumento, mas um relacionamento que une o crente a Cristo. Nunca Confie em Seus Méritos: A justificação não pode ser conquistada, nem complementada, por nossas ações. O valor de nossa fé reside em sua objetividade — Cristo crucificado e ressuscitado. Fé Viva e Pessoal: A salvação exige uma fé que não se contenta com conceitos, mas que confia e se une pessoalmente a Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Firmeza na Graça: A repetição enfática de Paulo serve para que não nos desviemos para legalismos, ritualismos ou práticas que prometem “ajudar” a justificação.

 

RESUMO DA LIÇÃO

A Carta aos Gálatas é uma exposição da salvação pela fé em contraste com a salvação pelas obras.

 

ENTENDA O RESUMO DA LIÇÃO:

A certeza da justificação pela fé libera o crente da escravidão da busca por mérito e abre espaço para uma vida de gratidão, obediência e transformação motivada pelo amor e não pelo medo ou obrigação.

 

TEXTO BÍBLICO

Gálatas 1.1-5.

 

1. Paulo, apóstolo (não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos),

Comentário de A. R. Fausset

Professores judaizantes haviam persuadido os gálatas que Paulo lhes havia ensinado a nova religião de maneira imperfeita e de segunda mão; que o fundador de sua igreja possuía apenas uma comissão delegada, estando o selo de verdade e autoridade nos apóstolos em Jerusalém; além do mais, que qualquer coisa que ele pudesse professar entre eles, ele próprio teria em outras ocasiões, e em outros lugares, dado o caminho. à doutrina da circuncisão. Para refutar isso, ele apela à história de sua conversão e à maneira como ele conferiu com os apóstolos quando os encontrou em Jerusalém; que até o momento sua doutrina era derivada deles, ou de exercer qualquer superioridade sobre ele, que eles simplesmente concordaram com o que ele já havia pregado entre os gentios, que a pregação foi comunicada, não por eles a ele, mas por si mesmo para eles (Paley). Uma epístola tão apologética não poderia ser uma falsificação posterior, as objeções que ela encontra apenas surgindo incidentalmente, não sendo obstruídas como seriam por um falsário; e também sendo tal que só poderia surgir na era primitiva da Igreja, quando Jerusalém e o judaísmo ainda ocupavam um lugar proeminente. apóstolo – nas epístolas mais antigas, as duas para os tessalonicenses, por meio da humildade, ele não usa nenhum título de autoridade; mas associa-se a ele “Silvano e Timóteo”; todavia aqui, embora “irmãos” (Gálatas 1:2) estejam com ele, ele não os nomeia, mas coloca seu próprio nome e apostolado em destaque: evidentemente porque sua comissão apostólica precisa agora ser justificada contra seus negadores. de – grego, “de”. Expressando a origem de que sua missão veio “, não dos homens”, mas de Cristo e do Pai (entendido) como a fonte. “Por” expressa o agente operacional imediato na chamada. Não só o chamado de Deus como sua fonte última, mas por Cristo e o Pai como o agente imediato em chamá-lo (Atos 22:15; Atos 26:16-18). A imposição das mãos de Ananias (Atos 9:17) não é uma objeção a isto; porque isso era apenas um sinal do fato, não uma causa de assistência. Então o Espírito Santo o chama especialmente (Atos 13:2, Atos 13:3); ele era um apóstolo antes desta missão especial. homem – singular; para marcar o contraste com “Jesus Cristo”. A oposição entre “Cristo” e “homem”, e Seu nome sendo colocado em conexão mais íntima com Deus o Pai, implica Sua Divindade. que o ressuscitou dos mortos – implicando que, embora ele não o tivesse visto em Sua humilhação como os outros apóstolos (o que foi feito uma objeção contra ele), ele havia visto e constituído um apóstolo por Ele em Seu poder de ressurreição (Mateus 28:18; Romanos 1:4,5). Compare com a ascensão, a consequência da ressurreição e a causa de Ele dar “apóstolos”, Efésios 4:11. Ele ressuscitou também para nossa justificação (Romanos 4:25); assim, Paulo prepara o caminho para o tema proeminente da epístola, a justificação em Cristo, não pela lei. [Fausset, aguardando revisão]

 

2. e todos os irmãos que estão comigo, às igrejas da Galácia:

Comentário de A. R. Fausset

todos os irmãos – não estou sozinho em minha doutrina; todos os meus colegas no Evangelho, viajando comigo (Atos 19:29, Gaius e Aristarchus em Éfeso: Atos 20:4, Sopater, Secundus, Timotheus, Tychicus, Trophimus, alguns, ou todos estes), se juntam a mim. Não que estes fossem autores conjuntos com Paulo da Epístola, mas se juntaram a ele nos sentimentos e saudações. A frase “todos os irmãos” está de acordo com a data em que ele teve muitos companheiros de viagem, ele e eles tendo que suportar conjuntamente a coleção para Jerusalém (Conybeare e Howson). as igrejas – Pessino e Ancyra foram as principais cidades; mas, sem dúvida, havia muitas outras igrejas na Galácia (Atos 18:23; 1Coríntios 16:1). Ele não atribui nenhum título honroso às igrejas aqui, como em outros lugares, por estarem descontentes com a judaização. Veja primeiro Coríntios; Primeira Tessalonicenses, etc. A primeira Epístola de Pedro é dirigida aos cristãos judeus que permanecem na Galácia (1Pedro 1:1), entre outros lugares mencionados. É interessante, portanto, encontrar o apóstolo da circuncisão, bem como o apóstolo da incircuncisão, uma vez em questão (Gálatas 2:7-15), cooperando para edificar as mesmas igrejas. [Fausset, aguardando revisão]

 

3. graça e paz, da parte de Deus Pai e da de nosso Senhor Jesus Cristo,

Comentário de Daniel D. Whedon

Graça. Apesar de Paulo omitir os elogios que ele faz em outras cartas, ele não esquece a bênção, por mais breve e rápida que seja. Embora ele não possa falar bem dos Gálatas, ele pode desejar-lhes felicidades. E as bênçãos aqui desejadas, graça e paz, eles precisavam muito. [Whedon]

 

4. o qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau, segundo a vontade de Deus, nosso Pai,

Comentário de A. R. Fausset

deu a si mesmo – (Gálatas 2:20); até a morte como oferta. Encontrado apenas nesta e nas Epístolas Pastorais. O grego é diferente em Efésios 5:25 (ver Efésios 5:25). pelos nossos pecados – que nos escravizaram no presente mundo do mal. livrai-nos disto – grego, “fora do”, etc. O Pai e o Filho são cada um dito para “nos livrar”, etc. (Colossenses 1:13): mas o Filho, não o Pai, deu-se a si mesmo por nós para fazer isso e nos tornar cidadãos de um mundo melhor (Filipenses 3:20). Os gálatas, desejosos de voltar à servidão legal, estão, ele insinua, renunciando à libertação que Cristo operou para nós. Isto ele repete mais plenamente em Gálatas 3:13. “Deliver” é a própria palavra usada pelo Senhor quanto à Sua libertação do próprio Paulo (Atos 26:17): uma coincidência indesejada entre Paulo e Lucas. mundo – grego, “idade”; sistema ou curso do mundo, considerado de um ponto de vista religioso. A idade atual se opõe à “glória” (Gálatas 1:5) de Deus e está sob a autoridade do maligno. As “idades das eras” (grego, Gálatas 1:5) se opõem à “era presente do mal”. conforme a vontade do nosso Deus e Pai grego “, daquele que é ao mesmo tempo Deus [o soberano Criador] e nosso Pai” (Jo 6:38, Jo 6:39; Jo 10:18, fim). Sem mérito nosso. Sua soberania como “Deus”, e nossa relação filial com Ele como “NOSSO PAI”, deveria nos impedir de fundir nossas próprias noções legais (como os Gálatas estavam fazendo) com Sua vontade e plano. Isso abre o caminho para o seu argumento. [Fausset, aguardando revisão]

 

5. ao qual glória para todo o sempre. Amém!

seja a glória. A glória que é peculiar e exclusivamente Dele.

 

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INTRODUÇÃO

Ao longo deste trimestre, estudaremos a Carta de Paulo aos Gálatas. Escrita no primeiro século da nossa era, essa correspondência foi enviada aos crentes da região da Galácia e buscou mostrar aos seus leitores a importância da liberdade cristã e a suficiência do Evangelho. Eram homens e mulheres que haviam sido alcançados pela pregação e o ensino da salvação oferecida por Jesus, mas que, em algum momento, se deixaram levar por ensinos diferentes dos que haviam recebido, e estavam se afastando do plano de Deus para as suas vidas. Rever os ensinos do apóstolo nesta Carta pode nos fazer refletir a respeito da importância de valorizar o sacrifício de Jesus e não nos deixar levar por ensinos estranhos, que buscam colocar o esforço humano como um substituto à graça de Deus.

 

O apóstolo Paulo não escreve aos gálatas por simples protocolo eclesiástico, mas com uma urgência espiritual tão viva e vibrante que parece atravessar as páginas do texto para alcançar o coração de cada leitor. Esta Carta é atualíssima; é para nós hoje! Não é uma relíquia antiga perdida no tempo, mas uma exortação atual e viva para nós. Os crentes espalhados pela região da Galácia, homens e mulheres resgatados pela graça de Cristo, viram-se seduzidos por uma falsa espiritualidade que tentava tornar a liberdade adquirida por Cristo numa prisão de regras humanas (cf. Gl 1.6-7). Como Davi, que após uma vitória poderia escorregar para o pecado e perder de vista a beleza da aliança (2Sm 11), muitos de nós hoje arriscamos transformar o dom gratuito da graça num jugo de obras e méritos humanos – muitas vezes travestidos de falsa piedade/santidade, mas que não passam de “cargas” impostas além do que já foi escrito. O texto grego original destaca esta liberdade como eleutheria (ἐλευθερία), não uma simples autonomia humana, mas uma libertação espiritual radical e definitiva (Gl 5.1). O pastor e teólogo Antônio Gilberto insiste que esta não é uma liberdade para viver segundo a carne, mas para glorificar a Cristo e viver no Espírito¹. O Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento descreve esta liberdade como uma ruptura com as amarras do legalismo para uma relação pessoal e viva com Jesus Cristo². Não estamos falando de uma "fuga" para uma vida sem compromisso, mas de uma "entrada" para uma vida marcada pela graça e pela ação do Espírito Santo (cf. ARRINGTON, 1981)³. O perigo enfrentado pelos gálatas não era uma simples mudança de opinião teológica, mas uma troca de aliança espiritual — do dom da graça para a falsa segurança do ritualismo humano e de observâncias de regras e hábitos que em nada podiam acrescentar àquilo que a Cruz comprou para nós (Gl 3.1-3). Hernandes Dias Lopes nos conduz à compreensão de que “a carta aos Gálatas não é um simples texto para debate teológico, mas um brado contra uma doença espiritual mortal: transformar o Evangelho num peso, não num presente”⁴. O verbo grego utilizado por Paulo para descrever essa mudança, metatithēmi (μετατίθημι), carrega o peso de uma transição radical e não autorizada. O apóstolo não mede palavras, não porque deseja condená-los, mas para resgatá-los do abismo. O que muitos não percebem — e este é o segredo que diferencia quem se aprofunda na exegese do texto bíblico — é que essa tentação não morreu no século I. Craig S. Keener e Gordon Fee destacam que cada geração enfrenta a mesma batalha espiritual: confiar no que fazemos para Deus, ao invés de nos rendermos ao que Cristo já fez por nós⁵. Não estamos tão longe dos gálatas quando colocamos nossa confiança no ativismo espiritual, nas regras não bíblicas ou nas tradições humanas acima do Evangelho. A mensagem de Paulo não apenas diagnostica uma doença antiga, mas nos conduz a uma intervenção espiritual atual e necessária.

Esta não é uma simples lição para uma manhã de domingo, mas uma sentença vital para todos nós. Não permita que nada nem ninguém, roube de você a beleza e o esplendor do amor de Cristo. O Espírito Santo não deseja um coração dividido entre o mérito humano e a suficiência da cruz. Ele deseja uma entrega total e rendida, para que vivamos uma vida livre e transbordante de gratidão e santificação (cf. MACARTHUR, 1997)⁶. A liberdade em Cristo não é licença para viver segundo a carne, mas convite para viver cheio do Espírito, honrando o sacrifício de Jesus e refletindo Sua santidade no dia a dia. A liberdade não é uma opção, mas uma vocação para todos que creem.

Vamos ao estudo desta primeira lição:

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·          ARRINGTON, French L. Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1981.

·          COELHO, Alexandre. A Liberdade em Cristo — Vivendo o verdadeiro Evangelho conforme a Carta de Paulo aos Gálatas. Rio de Janeiro: CPAD, 2021.

·          DIAS LOPES, Hernandes. Gálatas: A carta da liberdade cristã. São Paulo: Hagnos, 2012.

·          GILBERTO, Antônio. Teologia Pentecostal: Fundamentos e Princípios. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

·          KEENER, Craig S. Galatians: A New Commentary. Grand Rapids: Baker Academic, 2019.

·          FEE, Gordon D. Paul, the Spirit, and the People of God. Grand Rapids: Baker Academic, 1996.

·          MACARTHUR, John. The MacArthur Study Bible. Nashville: Thomas Nelson, 1997.

·          PALMA, Anthony D. The Holy Spirit: A Pentecostal Perspective. Springfield: Logion Press, 2001.

·          OSS, Douglas. Spiritual Gifts. In: FEE, G. D. (Ed.). Systematic Theology: A Pentecostal Perspective. Grand Rapids: Zondervan, 1999.

·          YONG, Amos. The Spirit Poured Out on All Flesh. Grand Rapids: Baker Academic, 2005.

 

I. A CARTA AOS GÁLATAS

1. O contexto. O Evangelho de Cristo se espalhou pelo Império Romano quando judeus e estrangeiros ouviram a sua mensagem e receberam Jesus em seus corações. Essa divulgação se deu pelo testemunho de irmãos judeus que fugiram de Jerusalém por conta da perseguição, mas também se deu por conta do trabalho específico de obreiros como Barnabé e Saulo, que foram enviados por Deus, e pela igreja, às nações gentias como missionários. Essa fase inicial da igreja é apresentada no livro de Atos dos Apóstolos. Mas a história da igreja não se resume aos relatos de Lucas, que inspirado pelo Espírito Santo, registrou os acontecimentos relativos às atividades missionárias. As cartas dos apóstolos também trazem informações que nos mostram outros acontecimentos nesse período. Muitos gentios se tornaram cristãos, e com o aumento deles entrando na igreja, crendo que a salvação prometida por Cristo vinha pela fé, surgiu o que vamos chamar de “choque cultural”: um grupo de judeus, que também tinha crido em Jesus, passou a ensinar que a Salvação dependia também da guarda da Lei de Moisés. Jesus era judeu, e guardou a Lei, sujeitando-se a ela. Portanto, todos os seus seguidores deveriam também passar pelo mesmo rito. Esse grupo é denominado de judaizantes, e como veremos, deu trabalho por onde passava, pois seu ensino, de forma praticamente imperceptível aos gálatas, enfatizava o esforço humano como um auxiliar à graça de Deus.

 

Esta epístola não é uma simples carta antiga destinada a uma comunidade perdida no tempo. Ela é de fato a providência de Deus pelo Espírito Santo através da pena de Paulo, uma verdadeira intervenção espiritual e radical para uma igreja à beira do precipício, tão atual e tão necessária para nós hoje, nestes dias tão conturbados e de heresias sorrateiras travestidas de “santidade”, quanto foi para as comunidades gálatas no primeiro século. Paulo não escreve para agradar ou oferecer uma mensagem leve, mas para confrontar e corrigir uma tentação mortal: substituir a suficiência da graça de Cristo pela armadilha sedutora do esforço humano – entenda aqui, de forma clara e sem rodeios, acréscimos à Obra do Calvário, como: a guarda de normas, tradições e imposições humanas. Perceba que a palavra grega utilizada por Paulo para "desviar-se" (metatíthēmi, μετατίθημι) carrega a ideia de uma mudança interna e deliberada, uma troca de identidade espiritual, uma traição ao Evangelho (Gl 1.6)¹. Não estamos falando de uma simples escorregada, mas de uma ruptura tão grave que poderia custar-lhes a própria alma! Perceba o perigo! Não estamos tão longe dos gálatas assim como pensamos. O pastor Antônio Gilberto adverte que "a troca da graça pela meritocracia espiritual não passa de uma prisão disfarçada de liberdade"². O Comentário Bíblico Pentecostal confirma: "Onde não reina a graça, reina a morte espiritual"³. O chamado de Paulo não poderia ser mais direto e atual: não permita que o veneno do legalismo apague a luz viva e libertadora do Evangelho. O que está numa camada abaixo do texto e poucos percebem, é que a batalha espiritual dos gálatas não era só por uma crença, mas por uma mudança de status espiritual e ontológico. A palavra “liberdade” em Gálatas (eleuthería, ἐλευθερία) não descreve uma autonomia humana superficial, mas uma liberdade espiritual plena e inegociável, adquirida não por mérito humano, mas pelo sangue do Cordeiro (cf. Gálatas 5.1). A Bíblia de Estudo MacArthur esclarece que "a liberdade cristã não conduz à anarquia moral, mas à sujeição amorosa e obediente a Cristo"⁴. O pastor e teólogo Hernandes Dias Lopes descreve esta batalha espiritual como "o confronto entre o Cristo vivo e uma espiritualidade falsa e vazia"⁵. Os gálatas tentaram misturar o vinho novo do Evangelho com os odres velhos da Lei, não percebendo que “a presença de Cristo não tolera substitutos” (FEE, 1996)⁶. O Espírito Santo não habita corações divididos, e toda tentativa de conquistar favor divino por obras não passa de uma prisão espiritual disfarçada de religião. Robert P. Menzies nos alerta para esta tentação tão atual e tão presente nas igrejas de hoje: “A vida no Espírito não floresce no solo árido da performance humana, mas no campo regado pela graça de Cristo”⁷. Não podemos esperar por nada para viver esta liberdade espiritual radical e transformadora. Não devemos permitir que o peso das tentativas de agradar a Deus por mérito humano através de observação de normas, ritos, tradições e ‘quereres’ humanos roube de nós a leveza de uma vida conduzida pela graça e pelo Espírito Santo. O convite divino não é para melhorar a si mesmo, mas para morrer para si e viver para Cristo. Não esperemos para viver esta mudança. Não esperemos para andar livre. Não esperemos para glorificar a Deus com uma vida marcada não por regras ou culpas, mas por amor e gratidão!

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1.         COELHO, Alexandre. A Liberdade em Cristo — Vivendo o verdadeiro Evangelho conforme a Carta de Paulo aos Gálatas. Rio de Janeiro: CPAD, 2021.

2.         GILBERTO, Antônio. Teologia Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

3.         ARRINGTON, French L. Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1981.

4.         MACARTHUR, John. Bíblia de Estudo MacArthur. Nashville: Thomas Nelson, 1997.

5.         LOPES, Hernandes Dias. Gálatas: A carta da liberdade cristã. São Paulo: Hagnos, 2012.

6.         FEE, Gordon D. Paul, the Spirit, and the People of God. Grand Rapids: Baker Academic, 1996.

7.         MENZIES, Robert P. Spirit and Power: Foundations of Pentecostal Experience. Grand Rapids: Zondervan, 2000.

 

2. O autor. Paulo é o autor da Carta aos Gálatas. Ele se identifica como tal logo no primeiro versículo, não dando margem para que outra pessoa possa ser apresentada como responsável por essa autoria. Como veremos no decorrer das lições, sua autoridade apostólica foi questionada por um grupo de judeus. Por isso, colocar seu nome na carta que escreveu foi uma forma de se identificar com seus leitores e, os detalhes evidentes nela, mostram que Paulo conhecia os irmãos gálatas. Sobre a data da composição desse documento, tem sido comentado que a sua escrita se deu entre os anos 48 a 51 de nossa era.

 

Gálatas, juntamente com Romanos, I e II aos Coríntios, são as quatro cartas que hoje em dia apresentam poucas dúvidas sobre a autoria Paulina. A sua assinatura inicial não poderia ser mais clara e enfática: “Paulo, apóstolo” (Gl 1.1). O texto grego destaca esta autoidentificação com autoridade única — Παῦλος ἀπόστολος (Paulos apostolos) — não como uma simples apresentação formal, mas como uma declaração de legitimidade espiritual e apostólica. Não estamos diante de uma carta anônima ou de uma mensagem sem rosto, mas do testemunho pessoal de um apóstolo marcado pela experiência direta com o Cristo ressuscitado (cf. At 9). Nos primórdios da igreja, enquanto o evangelho ganhava terreno no coração dos gentios, forças judaizantes tentavam minar não só a mensagem, mas a própria autoridade de Paulo. A contestação não era superficial: era uma batalha pela compreensão do Evangelho e pela preservação da graça contra o peso sufocante de uma espiritualidade legalista (FEE, 1996)¹. Paulo não poderia simplesmente “ser mais um nome”; por isso abre a carta com uma assinatura clara e ousada, que não deixa margem para dúvidas: esta não é uma simples correspondência pessoal, mas uma exortação revestida da própria autoridade apostólica; É uma autoafirmação do seu chamado ao apostolado, tão atacado por seus adversários judaizantes – tanto pessoalmente quanto ministerialmente, Paulo foi perseguido e atacado. O pano de fundo histórico aponta para uma composição escrita entre 48 e 51 d.C., uma das mais antigas epístolas do Novo Testamento (LOPES, 2012)². Esse intervalo temporal não poderia ser mais significativo. É uma carta escrita quando a igreja primitiva ainda tentava firmar suas estacas e definir as fronteiras entre a antiga Aliança e o advento do Messias. A intensidade espiritual e teológica presente em cada linha não são mero acidente literário, mas o resultado direto de uma batalha espiritual e eclesiástica travada no coração da igreja. Uma das chaves para uma compreensão mais profunda de Gálatas é que o apóstolo não escreve como um simples teólogo ou pensador isolado, mas como pastor e missionário marcado por uma ligação pessoal e espiritual com as comunidades às quais escreve – ele as fundou e estruturou! Os detalhes históricos e afetivos presentes nesta carta revelam não só conhecimento, mas compromisso e amor por uma igreja que corria o risco de perder de vista a suficiência de Cristo (COELHO, 2021)³. Saiba que você não está lendo uma carta antiga para uma igreja distante no mapa e no tempo, mas uma exortação viva para nós hoje! Tal como Paulo não abre mão de sua autoridade espiritual e amor pastoral para guiar a igreja à fidelidade ao Evangelho, assim somos chamados a não abrir mão da graça como eixo central de nossa vida e caminhada com Cristo. Paulo não escreve para curiosos, mas para filhos amados, e os chama poderosamente a, como soldados, estarem firmes e dispostos a guardar a liberdade e a pureza do Evangelho.

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1.         FEE, Gordon D. Paul, the Spirit, and the People of God. Grand Rapids: Baker Academic, 1996.

2.         LOPES, Hernandes Dias. Gálatas: A carta da liberdade cristã. São Paulo: Hagnos, 2012.

3.         COELHO, Alexandre. A Liberdade em Cristo — Vivendo o verdadeiro Evangelho conforme a Carta de Paulo aos Gálatas. Rio de Janeiro: CPAD, 2021.

 

3. O motivo da Carta. A Carta aos Gálatas foi escrita com o objetivo de alertar aqueles crentes acerca do perigo que estavam correndo por acrescentar à mensagem do Evangelho a prática da Lei de Moisés. Eles já haviam crido nas Boas-Novas, e não era necessário agregar às suas vidas nenhum dos elementos da lei que Deus dera aos hebreus por ocasião da sua saída do Egito. Isso pode estar claro para nós, leitores do século XXI, mas para os crentes gálatas, não. Devemos nos lembrar de que no primeiro século havia circulado pelas igrejas pessoas que introduziam doutrinas diferentes das que eram ensinadas pelos apóstolos, e que por isso as igrejas precisavam ser lembradas do verdadeiro Evangelho e de suas práticas. Deus usa o apóstolo Paulo, um homem de formação intelectual farisaica, mas devidamente convertido a Jesus, para orientar os leitores de que a Lei de Moisés havia sido dada por Deus aos hebreus, e não aos gentios. Como veremos posteriormente, a própria igreja de Jerusalém já havia traçado parâmetros para que o Evangelho fosse apresentado entre os gentios, sem a necessidade da circuncisão (At 15.28,29). A partir desse ponto, trataremos a palavra “circuncisão” como um sinônimo da guarda da Lei de Moisés.

 

- As igrejas da Galácia referem-se às comunidades cristãs na região da Galácia, na atual Turquia, que foram fundadas por Paulo durante suas viagens missionárias. A carta aos Gálatas, escrita pelo apóstolo Paulo, foi endereçada a essas igrejas, que enfrentavam desafios como a influência de falsos mestres e a tentação de retornar a práticas judaicas tradicionais. A Carta não foi escrita para satisfazer curiosidades teológicas, mas para apagar o incêndio espiritual que ameaçava consumir uma igreja recém-plantada. Paulo não poderia simplesmente assistir à erosão do Evangelho da Graça, enquanto uma corrente de falsos mestres tentava misturar a suficiência do sangue de Cristo com as amarras ritualistas da Lei de Moisés. Os gálatas, tão fervorosos no início (Gl 4.15), agora flertavam com uma falsa espiritualidade, um evangelho híbrido que não salva e não liberta. Um tema central que motivou a epístola aos Gálatas ser escrita, foi a necessidade de recuperar a liberdade em relação ao judaísmo. A vinculação com Deus não podia ser regulada pelos ritos e práticas da religião judaica, como queriam possivelmente os judaizantes. Nos dias de Paulo, a batalha não era teórica: era prática e visceral. Os judaizantes não traziam uma simples variação teológica, mas uma distorção tão profunda do Evangelho que colocava em risco toda a comunidade de fé. A palavra grega para “outro evangelho” — ἕτερον εὐαγγέλιον (heteron euangélion) — não descreve uma simples alternativa, mas uma alteração tão radical que descaracteriza a própria essência da boa notícia (Gl 1.6-9). O apóstolo não poderia permitir que uma igreja tão jovem trocasse a liberdade gloriosa da graça por uma espiritualidade de jugo e medo. O que está escondido nas entrelinhas desta epístola é que esta batalha não morreu no século I. Nos tempos de Paulo, assim como em nosso século XXI, forças espirituais e culturais tentam inserir “elementos extras” no Evangelho, como se Cristo não fosse suficiente. O Comentário Beacon nos alerta para esta realidade atual: “Sempre que tentamos adicionar à cruz um adereço humano, acabamos por subtrair dela seu poder salvador”¹. Não estamos tão longe dos gálatas assim: quantas vezes tentamos amarrar nossa relação com Deus a regras, performances e padrões humanos? A própria igreja de Jerusalém, sob a orientação do Espírito Santo, teve que firmar fronteiras claras para não permitir que a circuncisão e demais preceitos da Lei fossem impostos aos gentios (At 15.28-29). Paulo, ex-fariseu e conhecedor íntimo das Escrituras e tradições judaicas, não escreve como um neófito ou mero espectador. Ele escreve como quem conheceu a Lei de Moisés por dentro e por fora, mas que teve seu entendimento espiritual e teológico transformado pela revelação de Jesus Cristo (Gl 1.12). Não era contra a Lei de Deus, mas contra transformar a Lei numa escada humana para alcançar o favor divino (FEE, 1996)². E aqui vai uma verdade latente como forma de admoestação para a nossa geração: Não espere para reconhecer esta batalha tão atual no seu coração e prática de fé. Não permita que regras vazias, ritualismos sem amor ou ativismo espiritual tomem o lugar do sangue do Cordeiro e do poder transformador do Espírito Santo. Cristo não morreu para nos tornar prisioneiros de uma religiosidade sem vida, ritualística, opressiva com “isso pode” e “isso não pode”, mas para nos tornar filhos e herdeiros pela graça. Não espere para viver esta liberdade espiritual e não permita que nada roube de você o amor vibrante e simples do verdadeiro Evangelho! Isso é uma advertência ao legalismo, tão presente hoje – não um convite à libertinagem, mas ao reconhecimento de quem somos nós em Cristo Jesus.

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1.         ARRINGTON, French L. Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1981.

2.         FEE, Gordon D. Paul, the Spirit, and the People of God. Grand Rapids: Baker Academic, 1996.

 

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SUBSÍDIO I

Professor(a), é importante que você e seus alunos conheçam o contexto histórico da Carta aos Gálatas. Explique aos alunos que “Paulo escreveu esta Carta (1.1; 5.2; 6.11) ‘às igrejas da Galácia’ (1.2). Alguns acreditam que os gálatas eram os gauleses da parte norte e central da Ásia Menor (descendentes dos que invadiram a região, no século III a.C.). Mas é muito mais provável que Paulo tenha escrito esta Carta às igrejas da parte sul da província romana da Galácia (Antioquia de Pisídia, Icônio, Listra, Derbe) que ele e Barnabé haviam fundado durante a sua primeira viagem missionária (At 13 — 14). É muito provável que a Carta tenha sido escrita pouco depois de Paulo ter concluído essa viagem e retornado à igreja que o enviara, em Antioquia da Síria, e pouco antes do Concílio da Igreja em Jerusalém (At 15). O principal tema abordado na Epístola aos Gálatas é o mesmo que seria debatido e solucionado no Concílio de Jerusalém (c. 49 d.C.; cf. At 15), que envolvia uma pergunta em duas partes: (1) A fé em Jesus Cristo, como Salvador e Senhor (isto é, aquele que perdoa os pecados e é Líder da vida) é o único pré-requisito para a salvação e um relacionamento pessoal com Deus? (2) Ou a obediência a certos costumes e leis do Antigo Testamento judaico é necessária para que a pessoa seja espiritualmente salva e tenha um relacionamento correto com Deus? Aparentemente, Paulo escreveu a Carta aos Gálatas antes que a controvérsia fosse formalmente discutida em Jerusalém e a posição oficial da igreja fosse confirmada. Isto significaria que a Epístola aos Gálatas foi a primeira Epístola que Paulo escreveu.” (Bíblia de Estudo Pentecostal para Jovens. Rio de Janeiro: CPAD, 2023, p.1622).

 

II. A SAUDAÇÃO PAULINA

1. Paulo, apóstolo, não da parte dos homens (v.1). Paulo inicia a Carta aos Gálatas com a sua identificação nominal. Ele era conhecido pelos irmãos daquela região, e eles não teriam dúvida de quem era o autor da carta. Ele também acrescenta um título ao seu nome: apóstolo. Diferente de um título honorífico, ou que trouxesse a ideia de ser um obreiro diferenciado, apóstolo era um “enviado”, alguém que havia sido escolhido para levar uma mensagem. Era uma honra, mas igualmente uma grande responsabilidade, ser portador das Boas-Novas. Ele completa com mais uma sentença: “não da parte dos homens”. Esse aspecto é importante, pois ele não teria escrito tais palavras se a sua autoridade apostólica não estivesse sendo colocada em xeque por seus acusadores, os judaizantes. Era necessário que ele mostrasse, o que ele faz, no texto mais à frente, que a sua chamada vinha de Deus. Se ele não andou junto com os apóstolos de Jerusalém, que autoridade teria para ser um apóstolo? Os judaizantes criam que se Paulo não fora enviado por Jerusalém, então não teria autoridade para ensinar, doutrinar ou falar de Jesus como quem foi comissionado para tais ações. É verdade que Paulo não andou com os Doze por ocasião do ministério terreno de Jesus, mas da mesma forma que os Doze, Paulo foi ensinado pelo próprio Jesus, como ele descreve (Gl 1.12).

 

A Carta aos Gálatas não começa com rodeios ou floreios, mas com uma assinatura tão clara e firme que não deixa margem para dúvidas: “Paulo, apóstolo” (Παῦλος ἀπόστολος — Paulos apostolos). Não estamos diante de uma simples identificação pessoal, mas de uma credencial espiritual e apostólica, marcada por uma vocação que não emanava dos homens, mas do próprio Deus. O termo grego para apóstolo, apostolos, não descreve um título honorífico ou uma patente eclesiástica, mas uma missão definida e uma representação direta dAquele que o chamou e o enviou para anunciar o Evangelho às nações. Um apóstolo ("pessoa enviada em uma missão") é aquele que Deus enviou em uma missão ou com uma mensagem. Um apóstolo presta contas a Aquele que o enviou e carrega a autoridade de Quem lhe enviou. Um apostolado é o ofício que um apóstolo possui. O próprio Jesus Cristo tem um "apostolado". Ele usa "Apóstolo" como um dos Seus títulos descritivos (Hebreus 3:1). Ele foi enviado à Terra pelo Pai Celestial com a mensagem autoritativa de Deus, a qual Ele entregou fielmente (João 17:1–5). Enquanto Jesus estava aqui na terra, Ele pessoalmente selecionou dentre Seus muitos seguidores doze homens e deu-lhes um apostolado — uma responsabilidade especial de receber e divulgar a Sua mensagem depois que Ele tivesse retornado ao céu (João 17:6–20; Mateus 10:1–4; Marcos 3:14–19). Esses escolhidos e enviados eram Seus apóstolos. Durante o tempo em que Jesus os estava treinando, Ele não explicou os critérios que usou para escolhê-los. Em duas de suas epístolas, Paulo identifica o ofício de apóstolo como o primeiro que Jesus designou para servir Suas igrejas (1 Coríntios 12:27-30; Efésios 4:11). Claramente, o trabalho do apostolado era estabelecer o fundamento da Igreja em um sentido secundário apenas àquele do próprio Cristo (Efésios 2:19-20), exigindo assim a autoridade do testemunho ocular por trás de sua pregação. Depois que os apóstolos estabelecessem o alicerce, a Igreja poderia ser construída. Aqui, no início da Carta, esta declaração de Paulo não nasce de uma vaidade pessoal, mas de uma necessidade pastoral e teológica vital. Os judaizantes não simplesmente questionavam a mensagem de Paulo, mas tentavam desqualificá-la ao lançar dúvidas sobre seu emissário. Não era uma crítica superficial: era uma batalha espiritual para roubar a credibilidade de uma mensagem que poderia transformar comunidades inteiras (cf. ARRINGTON, 1981)¹. Por isso, Paulo não abre concessões nem dá voltas. Afirma sem rodeios: não foi comissionado por homens, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai (Gl 1.1). Os opositores de Paulo tentavam minar a confiança dos gálatas, dizendo que, por não ter caminhado com Jesus durante o Seu ministério terreno, Paulo não poderia reivindicar autoridade apostólica legítima. O apóstolo não tenta justificar-se com diplomas humanos ou aprovação de concílios temporais. Sua credencial não era humana, mas espiritual e escatológica, confirmada no caminho de Damasco (At 9) e ratificada por uma vida marcada por sofrimento e fidelidade ao Senhor. O Comentário Beacon deixa claro: “A legitimidade apostólica de Paulo não provinha de uma cadeia humana de sucessão espiritual, mas do próprio Cristo ressuscitado”². O que muitos não sabem? A palavra grega para “não da parte dos homens” (oup’ anthrōpōn, οὐκ ἀπ’ ἀνθρώπων) não descreve uma simples negação de autoridade humana, mas uma ruptura radical com toda e qualquer tentativa de legitimação humana para uma vocação espiritual – Atenção aqui! Quão atual e necessário! A mesma boca que antes perseguia a igreja tornou-se a trombeta viva do Evangelho para todas as nações. O teólogo Anthony D. Palma destaca que esta mudança não foi uma simples troca de caminhos, mas uma prova viva do poder transformador e comissionador de Cristo (PALMA, 2001)³. Esta é a preciosa lição desse subtópico: Não espere para reconhecer esta realidade viva e atual: o chamado de Deus não precisa de aprovação humana para transformar a História. Não espere para alinhar a sua vida com a mesma intensidade e rendição que transformaram Paulo de perseguidor a apóstolo. Não espere para viver esta vocação pessoal e intransferível no centro do propósito de Cristo para a sua vida. A autoridade espiritual não nasce de uma assinatura humana, mas do carimbo inconfundível do Espírito Santo no coração de quem ousa responder: “Eis-me aqui”.

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1.         ARRINGTON, French L. Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1981.

2.         BEACON, Commentary. New Testament Commentary. Kansas: Beacon Hill Press, 1983.

3.         PALMA, Anthony D. The Holy Spirit: A Pentecostal Perspective. Springfield: Logion Press, 2001.

 

2. Da parte de Jesus e Deus Pai (v.1). Após ter se apresentado como remetente da Carta, Paulo deixa claro a origem do seu apostolado: Ele vinha da parte de Jesus, e de Deus Pai, que ressuscitou a Jesus dentre os mortos. Em um único verso, ele destaca a atuação conjunta do Pai e do Filho, e o milagre da ressurreição do Senhor. Foi o Jesus ressuscitado que apareceu a Paulo quando ele se dirigia a Damasco, e sem essa ressurreição, Paulo não teria sido salvo, não teria se tornado um discípulo e não teria sido comissionado aos gentios. Ele havia recebido a mensagem do Evangelho por revelação do Senhor Jesus, e isso nos mostra que as Boas-Novas têm origem divina. Essas Boas-Novas estavam em risco, e Paulo percebeu que os gálatas, mesmo sendo crentes, precisavam ser novamente ensinados acerca do Evangelho. Essa Carta é uma defesa do verdadeiro Evangelho para os gálatas, que já tinham experimentado a salvação, mas que estavam caindo da graça (Gl 5.4).

 

Não é por acaso que Paulo não deixa esta informação para depois. Sua autoridade não nasce de uma comissão humana, mas flui diretamente do coração de Deus e do Cristo Ressuscitado. A expressão grega “διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ καὶ Θεοῦ Πατρὸς” (diá Iēsoû Christoû kaì Theoû Patrós) não descreve uma simples formalidade epistolar, mas uma assinatura espiritual e teológica carregada de peso eterno. O apóstolo não poderia começar esta carta sem fixar com firmeza uma verdade vital: a fonte de seu ministério não é humana, mas divina (Gl 1.1). O que muitos não percebem — e aqui está o diferencial para quem deseja ir mais fundo — é que esta não era uma batalha por uma simples credencial humana, mas por uma compreensão clara do Evangelho da Ressurreição. O texto evidencia uma realidade espiritual e histórica: foi o Cristo Ressuscitado, não uma comissão eclesiástica, que interceptou a vida de Paulo no caminho de Damasco (At 9.1–9). Sem essa intervenção viva e pessoal do Senhor Ressurreto, não existiria apóstolo Paulo, não existiria comissão às nações e não existiria esta carta tão vital para a igreja. Quantos problemas poderiam ser evitados? Quantos escândalos? Inúmeros comissionamentos sem a iluminação do doce Espírito, meramente humanas. O termo utilizado para “ressuscitou” no grego, “ἐγείρας” (egeíras), não indica uma ressurreição temporária ou metafórica, mas uma vitória literal e escatológica contra a morte, garantindo que todas as promessas divinas seriam concretizadas por Cristo. O teólogo Craig Keener observa: “A ressurreição não foi apenas uma prova para Paulo, mas a prova central de toda a mensagem do Evangelho”¹. Por isso, ao anunciar sua autoridade apostólica, Paulo não aponta para si, mas para o Pai e para o Filho — uma prova de que a cadeia espiritual de autoridade não passa por homens, mas nasce direto do trono da graça. Os gálatas não estavam simplesmente confundidos por uma simples mudança de hábitos religiosos. Não. Eles corriam o risco de abandonar a origem viva e eficaz do Evangelho para adotar uma espiritualidade superficial e humana. A sentença de Paulo para quem tenta amarrar o cristianismo às amarras da Lei não poderia ser mais clara e dolorosa: “Separados estais de Cristo, vós que vos justificais pela Lei; da graça tendes caído” (Gl 5.4). O pastor e teólogo Hernandes Dias Lopes descreve esta tentação como “a troca trágica do sangue do Cordeiro pela poeira da religião humana”². O verdadeiro Evangelho não exige de nós uma perfeição humana, mas uma rendição total ao Senhor que venceu a morte para nos tornar não servos assustados por regras, mas filhos livres para viver e anunciar a Sua graça e ressurreição.

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1.         KEENER, Craig S. The IVP Bible Background Commentary: New Testament. Downers Grove: InterVarsity Press, 1993.

2.         LOPES, Hernandes Dias. Gálatas: A Carta da Liberdade Cristã. São Paulo: Hagnos, 2012.

 

3. Os irmãos que estão comigo (v.2). Paulo tem a humildade de dizer que não está fazendo a obra de Deus sozinho. Mesmo não mencionando os nomes de seus companheiros de ministério, ele mostra aos gálatas que fazemos melhor a obra de Deus quando temos comunhão uns com os outros e podemos servir ao Senhor em um grupo de pessoas. Como um corpo, podemos ser úteis com diversos talentos.

 

Não passa despercebida uma pequena, mas poderosa referência no texto de Gálatas: “E todos os irmãos que estão comigo” (Gl 1.2). A expressão grega “οἱ σὺν ἐμοὶ πάντες ἀδελφοί” (hoi syn emoi pántes adelphoí) não descreve uma simples menção social ou uma assinatura de rodapé. É uma prova viva e clara de que a igreja primitiva não era uma reunião de solitários, mas uma comunidade viva e interligada, uma família espiritual unida por uma mesma graça e uma mesma missão. O apóstolo poderia simplesmente assinar a carta e seguir adiante. Não o faz. Porque não deseja comunicar uma batalha isolada ou uma autoridade pessoal, mas uma batalha e uma autoridade compartilhadas por todos os santos que estão com ele. O Comentário Bíblico Pentecostal descreve esta dinâmica como “a prova de que o ministério cristão não se faz no isolamento, mas no contexto do Corpo de Cristo”¹. Nenhum apóstolo, nenhum pregador e nenhum servo de Deus existe para construir uma marca pessoal, mas para revelar a identidade de Cristo por meio de uma comunidade viva. Esta pequena referência não descreve uma simples camaradagem, mas uma assinatura espiritual e teológica. O termo “irmãos” não são meros colegas de jornada, mas uma extensão espiritual de uma mesma vocação e chamado. Craig Keener observa que “a igreja primitiva não conhecia a ideia de uma espiritualidade isolada”². A igreja não era uma plateia para o apóstolo pregar, mas uma família para viver e representar a mensagem no dia a dia. Nos tempos de Paulo, assim como hoje, muitos caem no erro de tentar viver uma espiritualidade autossuficiente. Pensam que podem interpretar as Escrituras sozinhos, batalhar contra as tentações sem auxílio, ou construir uma vida espiritual forte sem prestar contas e receber conselhos. O pastor Antônio Gilberto destacava: “Onde não existe comunhão e submissão espiritual, não existe igreja, mas um aglomerado de indivíduos isolados”³. O apóstolo não construiu uma assinatura pessoal para ganhar destaque, mas para honrar uma igreja viva e para ensinar uma igreja tentada por isolamentos e divisões que a vocação para o Reino não se realiza sem laços firmes de amor e compromisso.

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1.         ARRINGTON, French L. Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1981.

2.         KEENER, Craig S. The IVP Bible Background Commentary: New Testament. Downers Grove: InterVarsity Press, 1993.

3.         GILBERTO, Antônio. Teologia Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

 

4. Os destinatários. Os destinatários dessa Carta eram os irmãos das “igrejas da Galácia” (Gl 1.2). Observe que esse documento não era para uma única igreja, como foram as Cartas aos Romanos, aos Coríntios e aos Efésios, cujos destinatários, como se entende, pertenciam a uma igreja localizada em uma única região. Os gálatas pertenciam a um grupo de igrejas.

 

Não estamos diante de uma carta isolada, destinada a uma única comunidade de fé, mas de uma mensagem tão ampla e abrangente que não poderia ser contida em uma única cidade. O texto de Gálatas 1.2 não deixa dúvidas: “às igrejas da Galácia” — no grego, ταῖς ἐκκλησίαις τῆς Γαλατίας (tais ekklēsíais tēs Galatías). O apóstolo não escreve para uma igreja local, mas para uma região inteira, para uma constelação de comunidades unidas não por uma denominação humana, mas pela mesma esperança e pela mesma batalha espiritual. O detalhe não poderia ser mais significativo: enquanto Romanos, Coríntios e Efésios são cartas direcionadas a comunidades específicas, Gálatas abraça uma região inteira, uma diversidade de igrejas com diferentes contextos e dificuldades, mas todas sob a mesma tentação espiritual — a tentação de abandonar a suficiência do Evangelho para retornar à prisão da Lei. O Comentário Bíblico Pentecostal observa que “esta não era uma batalha isolada, mas uma crise espiritual e teológica que percorria toda a região”¹. O que muitos não percebem é que a Galácia não era simplesmente uma linha no mapa, mas uma encruzilhada espiritual e cultural. A região abrangia comunidades de diferentes origens étnicas e culturais, todas tentadas por uma falsa espiritualidade, uma mistura de elementos judaicos e pagãos. O teólogo Gordon Fee explica: “A luta por um Evangelho não diluído não era uma batalha local, mas uma prova de fogo para todas as igrejas nascentes”². O que se passa com uma igreja não fica isolado dela; reverbera e impacta todas as demais. Há aqui uma lição espiritual clara e atual para nós, uma juventude sedenta por uma espiritualidade viva e não superficial: não estamos isolados nesta batalha. A luta pela preservação do Evangelho não é para uma igreja ou um grupo específico, mas para todos que amam e seguem a Cristo. Os erros doutrinários não ficam confinados às suas fronteiras iniciais — espalham-se como uma doença espiritual para todas as comunidades que não firmam suas raízes na Palavra e no Espírito.

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1.         ARRINGTON, French L. Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1981.

2.         FEE, Gordon D. Paul, the Spirit, and the People of God. Grand Rapids: Baker Academic, 1996.

 

SUBSÍDIO II

Professor(a), explique aos alunos que a Carta aos “Gálatas apresenta quatro características singulares. (1) É a mais vigorosa defesa do Novo Testamento da natureza básica do Evangelho — a mensagem de que o perdão, a liberdade e a salvação espiritual só são possíveis devido ao dom da graça de Deus por meio da vida, morte e ressurreição do seu Filho, Jesus Cristo. É um dom que somente podemos receber depositando a nossa fé em Cristo e confiando ativamente as nossas vidas a Ele. O tom desta Epístola é vigoroso, intenso e urgente, uma vez que Paulo lida corajosamente e firmemente com seus oponentes (p.ex., 1.8,9; 5.12) e repreende os gálatas pela sua ingenuidade ao crer em falsos ensinos (1.6; 3.1; 4.19,20). (2) Com relação à quantidade de referências autobiográficas (isto é, em que o autor, Paulo, se refere a si mesmo), a Epístola aos Gálatas só fica atrás de 2 Coríntios. (3) Esta é a única carta de Paulo que é claramente dirigida a várias igrejas. (4) Esta Carta contém uma lista do fruto do Espírito (isto é, traços de caráter e efeitos do Espírito de Deus em ação na vida de um cristão, 5.22-23) e a lista mais abrangente do Novo Testamento dos atos da natureza humana pecaminosa (5.19-21).” (Bíblia de Estudo Pentecostal para Jovens. Rio de Janeiro: CPAD, 2023, p.1622).

 

PROFESSOR(A), ao iniciar um novo trimestre, é fundamental ressaltar a importância e a atualidade do tema que será estudado. Isso não apenas demonstra a relevância da lição, mas também desperta o interesse dos jovens e incentiva sua participação ativa. Para isso, comece a aula solicitando que os alunos compartilhem suas expectativas em relação ao estudo da Carta aos Gálatas.

 

III. A MENSAGEM PARA OS NOSSOS DIAS

1. A importância da liberdade. A Carta aos Gálatas defende a liberdade cristã. E que liberdade é essa? Liberdade de uma vida de santidade, de comunhão com Deus e acesso livre a presença dEle. A certeza de que não precisamos seguir as obras da Lei para sermos salvos, pois somos salvos pela fé em Jesus. Os gálatas haviam recebido o Evangelho pela fé, mas estavam sendo ensinados que a salvação dependia de uma série de observâncias dos costumes judaicos, o que era uma afronta à graça de Deus.

 

A Carta aos Gálatas não foi escrita para ocupar uma prateleira antiga da história eclesiástica. Não! Sua mensagem ressoa com uma atualidade assustadora e necessária para nós, crentes do século XXI. O apóstolo não levanta a pena para alimentar curiosidades teológicas, mas para defender uma das verdades mais preciosas e ameaçadas do cristianismo: a liberdade em Cristo. Não uma liberdade superficial ou carnal, mas uma libertação espiritual profunda — uma vida de santidade, uma relação viva e direta com o Pai e uma adoração não limitada por rituais humanos. Essa liberdade não descreve uma licença para viver como se não houvesse limites, mas uma transformação radical promovida pela graça (χάρις — charis), a dádiva imerecida de Deus. Essa liberdade não nos conduz à licenciosidade, mas à santificação e ao amor servil para com o próximo (Gl 5.13). Não somos salvos por guardar a Lei, mas somos guardados para viver por Cristo, numa relação viva e contínua com o Espírito Santo (FEE, 1996)¹. Os gálatas, tentados por uma espiritualidade superficial e legalista, acabaram cedendo à pressão dos judaizantes, esquecendo-se de que não são as obras da Lei que nos tornam aceitáveis a Deus, mas a fé viva no Cordeiro que foi morto e ressuscitou para nos justificar (Gl 2.16). O teólogo pentecostal Robert P. Menzies descreve esta batalha espiritual como uma troca sutil e mortal: “A igreja poderia continuar com suas práticas religiosas visíveis, mas estaria perdendo para sempre a única fonte de poder espiritual — a graça de Cristo”². Esta batalha não ficou restrita ao século I. Nos tempos de Paulo e em nossos tempos, forças similares tentam seduzir as igrejas para uma espiritualidade de aparências, onde ritual e ativismo ganham destaque, mas o coração não passa de uma terra seca e árida. A mensagem de Gálatas não é uma simples crítica ao passado, mas uma exortação viva para nós: não permita que suas regras, suas conquistas ou suas tradições substituam a cruz e a ressurreição de Cristo (KEENER, 1993)³. Uma lição extremamente importante e necessária para nós hoje: Não espere para reconhecer esta batalha espiritual tão atual. Não espere para viver uma fé viva e liberta pela graça, não por mérito humano. Não espere para transformar esta compreensão em prática diária: viva a liberdade de Cristo não como uma licença para o pecado, mas como uma licença para amar intensamente, servir apaixonadamente e viver para a glória de Deus. Não espere para tornar a mensagem de Gálatas não uma relíquia antiga, mas uma arma viva para transformar o seu presente e guiar o seu futuro espiritual.

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1.         FEE, Gordon D. Paul, the Spirit, and the People of God. Grand Rapids: Baker Academic, 1996.

2.         MENZIES, Robert P. Empowered for Witness: The Spirit in Luke-Acts. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1994.

3.         KEENER, Craig S. The IVP Bible Background Commentary: New Testament. Downers Grove: InterVarsity Press, 1993.

 

2. Nossa salvação não depende de nossas obras. Nenhuma prática que venhamos a fazer tem a capacidade de trazer a Salvação ofertada por Deus em Jesus, ou o perdão dos pecados. A Carta aos Gálatas é um alerta contra qualquer ensino ou pregação que tente complementar o sacrifício de Jesus com obras feitas pelos homens. As obras, para o crente, são úteis para que Deus possa ser glorificado pelos ímpios que, vendo as nossas boas obras, percebam que elas são uma ação do Espírito em nós e que glorifiquem a Deus (Mt 5.16).

 

Um dos pilares mais claros e urgentes da Carta aos Gálatas é a defesa da salvação pela graça mediante a fé, e não pelas obras humanas. Paulo não está apenas ensinando uma doutrina; está soando um alarme espiritual para que a igreja não se perca em caminhos que levam à escravidão da autojustificação. A frase grega “οὐ δικαιοῦται ἄνθρωπος ἐξ ἔργων νόμου” (ou dikaioutai anthrōpos ex ergōn nomou) traduzida como “o homem não é justificado pelas obras da lei” não é um mero conceito abstrato, mas a essência da mensagem do Evangelho puro e simples (Gl 2.16). Muitos caem no erro de pensar que, para Deus, nossas boas obras são a moeda de troca para a salvação. Paulo deixa claro que nenhuma prática humana, por mais justa ou religiosa que pareça, pode apagar nossa culpa diante de Deus ou garantir o perdão dos pecados. O Comentário Bíblico Pentecostal afirma: “O Evangelho não pode ser ampliado, corrigido ou complementado por atos humanos, pois isso é desconsiderar a suficiência do sangue de Cristo”¹. Toda tentativa de “complementar” o sacrifício redentor é uma traição ao Evangelho genuíno. Porém, o apóstolo não despreza as obras boas — pelo contrário, ele eleva o valor delas, mas com um propósito claro e distinto: as obras são evidências externas da ação interna do Espírito Santo em nossas vidas. Jesus mesmo ensinou: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16). O teólogo francês French L. Arrington ressalta que “as obras não salvam, mas glorificam a Deus ao evidenciar a transformação que o Espírito opera no crente”². Perceba que essa distinção entre obras que salvam e obras que glorificam é o fundamento para toda a vida cristã saudável. A obra salvífica pertence somente a Cristo, e nossas obras são frutos, testemunhas, não as bases do nosso relacionamento com Deus. O Pastor Antônio Gilberto destaca: “A fé verdadeira, que justifica, necessariamente se expressa em obras que refletem a presença do Espírito, mas nunca como condição para a salvação”³. Não espere para abandonar toda tentativa de ganhar o favor de Deus por meio de seus esforços. Confesse que Jesus é suficiente e que o Seu sangue é a única base segura para a sua justificação. Não espere para viver suas boas obras como um testemunho vivo e não como uma barganha espiritual. Que seu testemunho e ações reflitam a presença do Espírito, que transforma de dentro para fora, para que outros, vendo sua vida, glorifiquem ao Pai.

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1.         ARRINGTON, French L. Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1981.

2.         ARRINGTON, French L. Pentecostal Theology. Springfield: Gospel Publishing House, 1985.

3.         GILBERTO, Antônio. Teologia Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

 

3. Os judaizantes. Paulo desejava mostrar, na Carta aos Gálatas, que o sacrifício de Jesus foi único, perfeito e é suficiente para a nossa salvação. Isso foi necessário porque, havia o grupo dos que “não andavam bem e diretamente conforme a verdade do evangelho” (Gl 2.14) e que desejavam impor os “costumes” dos judeus sobre os gentios. Costumes esses que nem mesmo o apóstolo Pedro parecia observar.

 

A Carta aos Gálatas não é apenas um texto histórico; é um grito contra uma falsa doutrina que ameaça corroer o coração do Evangelho: o grupo dos judaizantes. Paulo se posiciona firmemente contra aqueles que, como ele descreve em Gálatas 2.14, “não andavam bem e diretamente conforme a verdade do Evangelho” (ouk orthōs hyperechonton tēn alētheian tou euangelion). Essa expressão revela mais que uma discordância teológica — expõe uma ruptura na essência da mensagem da salvação em Cristo. Os judaizantes queriam impor aos gentios um jugo pesado: a observância dos costumes judaicos, especialmente a circuncisão e a Lei mosaica, como condição para a salvação. Este não era um simples debate cultural, mas uma tentativa de acrescentar obras humanas à obra perfeita e completa de Jesus na cruz. O Comentário Bíblico Beacon ressalta que essa imposição legalista buscava desviar o Evangelho da graça para um sistema de méritos humanos¹ — uma traição à suficiência do sangue de Cristo. O mais surpreendente e instrutivo é que nem mesmo Pedro, figura central da igreja primitiva, não observava rigidamente esses costumes diante dos gentios (At 10). Paulo confronta essa incoerência, destacando que a verdadeira comunhão em Cristo transcende tradições culturais e rituais humanos. O apóstolo Hernandes Dias Lopes afirma: “A verdadeira fé cristã rompe barreiras culturais e religiosas, colocando o sacrifício de Jesus acima de todos os sistemas humanos”². A luta contra os judaizantes não era simplesmente um confronto de opiniões, mas uma defesa da exclusividade da obra de Cristo na salvação. O apóstolo não estava apenas defendendo sua autoridade, mas proclamando que o Evangelho, se corrompido, deixa de ser Evangelho (cf. Gl 1.6-7). Anthony D. Palma enfatiza que “a adição de qualquer obra humana como condição para a salvação destrói o coração do Evangelho e prende o crente a uma falsa justiça”³. Não espere para identificar e rejeitar qualquer ensino ou prática que tente acrescentar méritos humanos ao sacrifício perfeito de Cristo. Não espere para abraçar a liberdade em que fomos chamados — livres da Lei como meio de salvação e livres para viver pela fé no Filho de Deus. Permaneça firme na suficiência do sangue de Jesus, que é a única base segura para sua justificação e paz diante de Deus.

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1.         BEACON, Commentary. New Testament Commentary. Kansas: Beacon Hill Press, 1983.

2.         LOPES, Hernandes Dias. Gálatas: A Carta da Liberdade Cristã. São Paulo: Hagnos, 2012.

3.         PALMA, Anthony D. The Holy Spirit: A Pentecostal Perspective. Springfield: Logion Press, 2001.

 

CONCLUSÃO

Sempre teremos diante de nós o desafio de lembrar que a nossa salvação é recebida pela fé, e que não precisamos seguir rituais de outras culturas que se proponham a ser complementares à nossa salvação. Os gálatas precisaram ser ensinados de que a salvação não está vinculada às obras da Lei, pois o Evangelho é suficiente para nos salvar. A graça do Senhor é o que basta para a nossa salvação.

 

- Concluo dizendo que, a grande batalha da fé cristã não é um evento histórico isolado, mas uma luta permanente na vida de cada crente: lembrar que a salvação é um dom recebido somente pela fé, e não por rituais ou práticas culturais. Paulo, ao escrever aos Gálatas, sabia que essa verdade, embora fundamental, podia ser esquecida ou distorcida — até mesmo por cristãos sinceros. A expressão grega para “justificação pela fé” (dikaiōsis dia pisteōs) é o fundamento imutável da teologia bíblica e do Evangelho genuíno. Para os gálatas, imersos em um contexto plural de práticas judaicas e pagãs, a tentação de agregar observâncias à fé era real e forte. O Comentário Bíblico Pentecostal destaca que “a adição de elementos culturais ou religiosos como condição para a salvação ameaça a pureza e a eficácia da mensagem do Evangelho”¹. Mais do que uma questão teórica, trata-se de um convite urgente para todos nós: não permitir que tradições humanas adulterem o poder transformador da graça de Deus. O que poucos conseguem enxergar com clareza é que a graça do Senhor, expressa no grego pela palavra charis, é uma força dinâmica, poderosa e suficiente para sustentar o crente em toda situação. Como afirma o teólogo Douglas Oss: “A graça não é um mero conceito abstrato, mas a presença ativa e sustentadora do Espírito que opera transformação completa no crente”². Assim, qualquer ritual que busque ‘complementar’ esta graça, na prática, enfraquece a vida cristã ao invés de fortalecê-la. Paulo nos lembra com veemência que a verdadeira liberdade em Cristo não consiste em adicionar requisitos humanos, mas em permanecer firmes na liberdade que o Evangelho proporciona (Gl 5.1). Hernandes Dias Lopes chama a atenção para a gravidade do que significa abandonar esta liberdade: “Cair da graça é regressar à escravidão da Lei, um caminho que conduz não à vida, mas à morte espiritual”³. Não espere para renovar diariamente sua confiança na suficiência da graça de Deus. Não espere para rejeitar qualquer tradição, rito ou prática que tente colocar peso sobre os seus ombros além da cruz de Cristo. Viva a liberdade do Evangelho — uma liberdade que não é licença para o pecado, mas poder para servir, amar e perseverar na fé verdadeira. Que a graça do Senhor seja a âncora firme que sustenta sua salvação e sua caminhada espiritual.

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1.         ARRINGTON, French L. Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1981.

2.         OSS, Douglas. Grace and Transformation: The Power of the Gospel. New York: Christian Focus, 2005.

3.         LOPES, Hernandes Dias. Gálatas: A Carta da Liberdade Cristã. São Paulo: Hagnos, 2012.

 

Meu ministério aqui é um chamado do coração — compartilhar o ensino da Palavra de Deus de forma livre e acessível, para que você, irmão ou irmã em Cristo, possa crescer na fé e no conhecimento das Escrituras, sem barreiras, com subsídios preparados por um Especialista em Exegese Bíblica do Novo Testamento.

            Todo o material que ofereço é fruto de oração, estudo e dedicação, e está disponível gratuitamente para que a luz do Evangelho alcance ainda mais vidas sedentas pela verdade. Porém, para que essa missão continue firme, preciso da sua ajuda.

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Juntos, podemos fazer a diferença. Conto com você!

 

HORA DA REVISÃO

1. Quem se identifica como autor da Carta aos Gálatas?

O apóstolo Paulo.

2. Com que objetivo essa Carta foi escrita?

A Carta aos Gálatas foi escrita com o objetivo de alertar aqueles crentes acerca do perigo que estavam correndo por acrescentar à mensagem do Evangelho a prática da Lei de Moisés.

3. Paulo fazia a obra de Deus sozinho?

Paulo tem a humildade de dizer que não está fazendo a obra de Deus sozinho.

4. Por quem Paulo foi comissionado como apóstolo?

Paulo deixa claro a origem do seu apostolado: Ele vinha da parte de Jesus, e de Deus Pai, que ressuscitou a Jesus dentre os mortos.

5. A Carta aos Gálatas defende a liberdade cristã. E que liberdade é essa?

Essa liberdade é a certeza de que somos salvos pela fé em Jesus.